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Há sonhos impossíveis desfeitos, refeitos, imperfeitos,
Bailantes no meu eu, insatisfeito.
Cheiram a mel, a naftalina.
São temperados pela insensatez dos loucos,
Polvilhados de canela e vinagre,
Desfazem-se de mim, a contragosto.
Ingratos, repetem gritos sustenidos,
Sustidos na respiração que morreu.
Voam, do telhado ao chão,
simulando aves de asas cortadas
Que, de salto em salto, inúteis e férteis,
Fecundam céus que não os meus.
Quiquera
A febre dos últimos dias levou-me de volta a alguns tempos passados.
Assim plural, porque plurais foram os tempos.
De início senti-me desamparada, na luta contra a minha própria memória, a temperatura entranhada a descomandar as minhas vontades.
Vi, revi, mas, acima de tudo, voltei a sentir, o que já se encontra tão lá atrás.
No regresso à consciência dei por mim sem saudades, nem tão pouco com vontade de voltar ao passado.
Não que esteja satisfeita. Sem dúvida, que faria algumas coisas de forma diferente. Mas tenho a secreta convicção que o resultado seria o mesmo. Não acredito num destino pré-escrito que determina o que vai acontecer; apenas pressinto o que nunca poderia ser.
Num instante a febre levou-me de volta à inconsciência; mas naquele breve instante que permeia a transição da consciência ao descontrolo do sonho, senti o voar do meu coração, para esse outro lado irreal e acabei por acordar com a sensação de o não ter recuperado. Não na sua totalidade.
Acordei mais leve, mais solta, na certeza do abandono do sonho de um coração, que não voltará a acreditar no que não lhe está destinado.
Livre do pesadelo do sonho incumprido.
Pronta para sossegar.
Hoje foi mais um dia em que acordei e me senti perdida de mim. Ainda não me sinto totalmente eu.
É quase como se pedaço de mim tivesse ficado esquecido num qualquer canto do sono nocturno.
Não encontro outra forma para explicar.
A manhã passou-se tranquila, trabalhando ao ritmo certo, a árvore em frente a espreitar por entre os cortinados.
Só no regresso do almoço me apercebo do tempo, quente, abafado, denso de nuvens, poeiras e poléns, a pesar a respiração.
Um vento sul, quente, quente, desalinha os cabelos e pesa ainda mais na minha ausência de mim.
Volto à sala de trabalho, imersa em silêncio, corro as cortinas e deixo-me embalar na penumbra, preparando o que resta de mim para o regresso ao trabalho.
Lá fora, a árvore aloja cantos de pássaros, como que a recordar-me que ainda é dia.
Agrada-me esta sensação de paz que sobra das minhas ausências.
Alivia-me de tudo o que não me apetece pensar e permite-me a entrega ao agora.
Encosto a janela para aproveitar ainda mais o meu silêncio interno.
Afinal, sabe bem perder-me de mim também.