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15
Jul25

15/07/2025

por Quiquera

Por vezes a solidão afunda-se em nós, de uma forma que quase acreditamos que estamos bem, que estamos acompanhados. 

De tanto fazermos diálogos internos, parece-nos que dialogamos com outros e perdemo-nos na dúvida se o diálogo imaginado foi, afinal real.

Mesmo acompanhados, a solidão esconde-se por trás dos nossos sorrisos, das nossas palavras, até mesmo das nossas gargalhadas.

Não se esconde por mal, mas pelo hábito da ausência das perguntas, do conhecimento que o outro não tem de nós.

Quem sou; o que desejo; para onde já não vou, agora que o tempo me foge.

Mais problemático, é que esta solidão feita de partilhas privadas de ouvinte, de diálogos calados, é o facto de ser viciante. Passa-se um encontro, dois, três... E de repente já nem toleramos perguntas. Sentimos que vêm fora do tempo. Já não há respostas disponíveis. Numa espécie de erro informático: "essa página já não está disponível".

E seguimos de sorriso sério, sem tristezas, com medos das perguntas que não foram feitas, das confissões que ficaram guardadas, poeirentas, na gaveta de uma qualquer falsa memória.

publicado às 21:51

23
Fev25

23/02/2025

por Quiquera

Há umas semanas recebi a notícia de uma pessoa que durante uns tempos foi um dos meus mentores. 

Na minha vida tive dois mentores, ambos faleceram na mesma altura do ano, com 5 anos de separação.

O primeiro mentor foi alguém que me ensinou muito, que me ajudou a enfrentar épocas difíceis da minha vida. Curiosamente os nossos caminhos divergiram há muitos anos e na última vez que conversámos acusou-me de ser culpada de tal divergência. Ainda lembro a sua voz zangada "essa tua ética pessoal não te permite ser feliz".

É engraçado pensar que foi essa mesma ética pessoal que me levou ao meu segundo mentor. 

Este segundo mentor foi alguém verdadeiramente essencial no meu percurso pessoal e profissional. Compreendiamo-nos na forma de ver a vida, a actualidade. Partilhávamos princípios éticos que nos guiavam nos passos profissionais e pessoais. Os nossos caminhos foram separados há uns anos, devido à sua morte excessivamente precoce. 

A ambos estou enormemente grata. Foram muitas vezes um apoio essencial. Tinham pontos em que eram muito parecidos. Ambos procuravam mostrar que estavam disponíveis para mim e me ensinaram a ver o meu valor intrínseco, que tantas e tantas vezes desvalorizei. 

A notícia da morte do meu primeiro mentor lembrou-me a dor da perda do segundo. Imaginei-os algures num universo paralelo a discutirem o meu caso. Algo me diz que não duraria nem cinco minutos a conversa. Dois homens carismáticos e charmosos à sua maneira, tão diferentes na postura, até mesmo na forma de vestir! Eis uma imagem que me faz sorrir.

Mas o que fica de fundo, na minha alma e no meu sentir, é a sensação de solidão que nos fica quando os nossos mentores desaparecem. Mesmo aqueles que o deixaram de ser. Uma espécie de segunda orfandade.

Talvez seja a noção da minha própria finitude.

Não sou crente. Não creio noutra vida. Mas pode vezes faço um exercício de imaginação em que após a minha morte reencontro algumas das pessoas que partiram antes de mim. Imagino os abraços, os sorrisos, as mão amigas sobre o meu ombro inexistente. E parece-me que quase os sinto realmente. 

Até saber se existe algo do "lado de lá", irei contentar-me com estas ilusões ingénuas.

publicado às 19:39

08
Jan25

08/01/2024

por Quiquera

Hoje o dia acordou cinzento escuro.

Há algo neste dia de chuva e escuro que desperta em mim uma memória, mas não consigo saber de quê.

Algo que me entorpece e entristece, mas que fica lá escondido, por trás das actividades matinais, despertando em mim uma nostalgia de não sei o quê e que não sei de onde vem.

Eu gosto de dias de chuva. 

Mas hoje apetecia-me esconder-me sob os cobertores. Ou deixar-me ficar no sofá com uma manta por companhia e talvez uma série na tv. 

Ou talvez dormir. Dormir. Dormir.

Olhando pela janela tenho a clara ilusão de que me faço una com o cinzento lá fora.

E sonho-me nuvem cinzenta, diluída de ser.

publicado às 10:29

04
Set24

04/09/2024

por Quiquera

Busco o teu silêncio, 

a paz que só tu me poderás dar.

Vivo os dias lentamente,

                    em espera

espreitando as esquinas

                    sinto-o

te posso encontrar.

Trago o passo mais lento,

a mente mais frágil,

o coração endurecido pelos erros-dores passados,

numa memória esquecida nesta casa que jaz.

                    sem paredes

Anseio pelo teu braço

                     abraço

A cumplicidade que vem

da certeza de te encontrar.

publicado às 22:35

28
Abr24

28/04/2024

por Quiquera

Saí da garagem do trabalho, 7h da manhã.

Na minha frente um arco íris a avisar que vinha mais chuva.

Enquanto avançava na estrada o arco íris surgia cada vez mais brilhante. Completo.

A cada passo, parecia mudar de direcção. Ora mergulhava no mar, ora dava um novo colorido às casas.

Acabei por me desviar do caminho, seguindo-o. Não sei o que me deu. Se foi o cansaço, o sono, a tristeza, ou ser domingo. 

Numa rua vazia, decidi estacionar o carro, num parque também ele vazio, e sair.

Senti as gotas grossas de chuva, enquanto o escurecer do céu fazia desaparecer o arco íris. Os pássaros cantavam nas árvores. Do carro, cuja porta deixei aberta e a chave na ignição, vinha o som de Absolute Beginners de David Bowie. 

Pacifiquei-me.

Voltei para o carro e fui para casa dormir, levando no peito o momento em que a natureza me ofereceu um arco íris para me desviar do caminho habitual. 

É uma das vantagens de sair do trabalho de manhã. Ter o vazio só para nós.

 

IMG_20240428_074904_541.jpg

publicado às 22:10

19
Abr24

19/04/2024

por Quiquera

Quando éramos adolescentes, eu e T, numa espécie de filosofia conhecedora da vida, rematávamos as nossas conversas com uma frase mantra:

Life's a bitch and then you die 

Dizíamos com o tom próprio dos 15 anos que achavam que já tinha percebido o mundo. Em certa medida não estávamos erradas.

A frase vinha de uma qualquer canção da qual não guardo memória nenhuma.

Acredito que tenha sido trazida por T. 

Era a minha melhor amiga desde os 11 anos e ainda hoje dispo a minha alma sem pruridos perante os seus ouvidos e o seu olhar.

T e eu vivíamos no mesmo bairro, mas éramos de mundos diferentes. O que não importava nada. Cada uma alimentava-se do conhecimento da outra e com isso construíamos a noção do mundo.

T nas férias viajava enquanto eu ficava em casa a ajudar a cuidar dos meus sobrinhos.

De cada viagem trazia-me algo. Pequenos objectos - alguns ainda os tenho - mas acima de tudo as impressões de tudo o que tinha visto e sentido. 

Dizia frequentemente 

Estive num sítio que era a tua cara

E eu bebia sofregamente tudo o que me contava. 

Adulta, viajei um pouco e estive em alguns dos sítios que referiu. Eram, efectivamente, a minha cara.

40 anos passaram. Eu e T continuamos em mundos diferentes.

Na semana passada almoçámos juntas.

Falámos de trabalho, da família. Do que vemos. Do que sentimos. Do que somos.

A dada altura, de alma despida, disse-lhe 

A vida cansa-me

T no seu jeito honesto respondeu 

Acredito

E não foi preciso dizer mais nada porque sei que sim. Que acredita e compreende.

Agradeço à vida ter-me trazido aquela rapariga alta e magra, de joelhos frequentemente escalavrados.

Somos dois mundos diferentes ligados pelo abraço da amizade. 

Com ela o mantra fica mais leve

Life's a (little less) bitch and then you die

 

Quiquera 

publicado às 07:29

14
Abr24

14/04/2024

por Quiquera

Enquanto estou aqui sentada, na hora final de uma noite de pouco trabalho, descubro em mim uma sensação de inexistência, de irrealidade. 

De tanto escrever e apagar, concluo que nem sei como o explicar.

É como se me visse dentro do corpo de uma estranha, a quem observo, mas que não reconheço.

Penso que talvez esteja a ficar doida, ou simplesmente estou cansada. Afinal já é a terceira noite.

Mas... Esta sensação de não me reconhecer não é nova. É algo que cresceu com os anos. Alicerçada em comentários, elogios, criticas que me foram dadas, bem intencionadas, mas que aumentavam, alimentavam, está estranheza de mim em mim.

Quem terá razão? O que me vê de fora e diz o que vê, ou eu que comigo convivo a tempo inteiro, mas que sou incapaz de me reconhecer. 

Talvez se fechar os olhos e mergulhar no escuro da minha noite interna, consiga reencontrar a minha voz, o meu cheiro. O meu ser.

Talvez. Quando puder.

 

Quiquera

publicado às 05:46

28
Mar24

28/03/2024

por Quiquera

Por vezes penso que a nossa vida não evoluiu assim tanto, em relação aos nossos pais. O que me lembra a canção de Elis Regina.

Estou numa fase de mudança laboral. E nestes últimos meses tenho esticado a corda, trabalhando muitas horas. A diferença para a vida dos meus pais, é que a minha ainda rende do ponto de vista económico. 

Esta noite, há bocado, comecei a sonhar com férias e a pesquisar na internet. Entretanto, a chuva lembrou-me da roupa num estendal dentro de casa, com o desumidificador por baixo, a sugar a água. A máquina de secar avariou. O forno está nas últimas. O frigorífico está a começar a dar sinal... 

As férias vão pelo cano, junto com a água do depósito do desumidificador. Retirei a roupa seca, estendi a que ainda estava por secar. Enquanto isso pensei nas refeições de amanhã.

Foi aí que aconteceu: 

Juro!

Juro que saí de mim e me vi de longe;  confundi-me com a minha mãe, há uns anos. 

Com as conversas que ouço por aí ultimamente, ainda me convenço que reencarnei na vida e no tempo da minha mãe. 

 

Quiquera

publicado às 00:10

27
Fev24

27/02/2024

por Quiquera

É tão estranhamente pacificador pensar que, enquanto eu adormeço

Alguém trabalha;

Um pianista treina apaixonadamente no seu piano;

Um casal faz amor ternamente;

Alguém chora um desgosto de amor;

Outro percorre os silêncios abandonados de uma qualquer cidade;

Um bebé chora ao sair do ventre da sua mãe;

Alguém morre;

Alguém desiste de sentir.

E a unir-nos apenas este momento que termina no piscar dos meus olhos, que se fecham lenta e teimosamente

Por um instante? Para sempre?

Sem o saber, escolho, na mesma, adormecer.

 

Quiquera

publicado às 01:52

18
Fev24

18/02/2024

por Quiquera

A partir de uma certa hora, o edifício parece adormecido.

Como companhia tenho o zumbido do ar condicionado. O som de uma porta que se abre e fecha, lembrando que, afinal, não me encontro só.

As luzes desligadas automaticamente pela falta de movimento, acendem-se repentinamente, ao som dos passos do vigilante.

Fico sozinha. Atirada para um poço de pensamentos que me submergem.

Balanço-me na cadeira, pouco preparada para confortos nocturnos, e enfrento-me.

Revejo o meu passado, enquanto penso o futuro.

Será possível que a vida seja só isto?

Por vezes penso que ando a desperdiçar tempo. Que sempre andei.

Não que não tenha feito coisas que me deram prazer e orgulho. Não. 

Mas não as fiz por mim, na grande maioria das vezes. Fiz por amor. Por amizade. Por necessidade.

Agora, imprime-se em mim a sensação de que já vou tarde. A certeza de não te encontrar de novo aqui. Nunca mais.

 

O tempo. O tempo que parte. Que passa lento nos momentos de silêncio e tão rápido quando o vivemos.

Que não controlamos. Nem mesmo quando o sonhamos.

Quiquera 

publicado às 03:00


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